quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Sociologia da Educação - Weber - texto 6


VILELA, Rita Amélia Teixeira. “Max Weber – 1864 – 1920. Entender o homem e desvelar o sentido da ação social”. In: TURA (org.). opus cit, pp. 63-96.

Max Weber - 1864-1920 Entender O Homem E Desvelar O Sentido Da Ação Social
Rita Amélia Teixeira Vilela

O que a Ciência tem condição de mostrar ao homem é, em primeiro lugar o sentido daquilo que ele faz, em segundo lugar o que ele racionalmente tem condições de fazer, mas a Ciência não pode mostrar ao homem o que ele deseja e dizer a ele o que deve fazer.

INTRODUÇÃO

A importância da obra de Weber para as mais diversas áreas das ciências sociais e humanas é indiscutível. Nos cursos universitários nestas áreas, no Brasil, ele ocupa, junto com Durkheim e Marx (na Alemanha também junto com outros), a tribuna daqueles que merecem ser considerados os fundadores da sociologia. Na opinião de seu intérprete alemão mais respeitado, Johannes Winckelmann, a grande contribuição epistemológica de Weber -sua sociologia compreensiva como teoria das relações sociais, e sua teoria política como sistema explicativo das relações de poder ou de dominação, ambas construídas na prática ativa do cientista como acadêmico e como homem público - é de tamanha magnitude que ainda hoje não foi suficientemente analisada em toda a dimen­são que esta obra nos impõe. Como conseqüência, nem na pró­pria Alemanha teria Weber o reconhecimento e o valor a que faz justiça (WINCKELMANN, 1992).
Ainda segundo este weberiano, a obra de Weber, na medida em que, realmente, oferece fundamentos para o entendimento das relações sociais e da estrutura da personalidade humana sob as
dimensões política e econômica, dimensionadas para tempos, lu­gares e seres específicos, desperta o interesse de pesquisadores de variados matizes. Portanto, ela tem merecido inúmeras publica­ções, nem sempre fiéis ao conjunto organizado pelo próprio teóri­co. Assim, as diversas edições intituladas "textos selecionados" que se propagam pelo mundo, em diferentes idiomas, já apresentam um recorte dado pêlos organizadores das coletâneas, o que evidentemente retraiam apenas as dimensões escolhidas que por sua vez evidenciam as diferentes óticas de interpretação da obra (WINCKELMANN, 1992).
Essa circunstância já seria suficiente para indicar as dificuldades para o entendimento da dimensão total da obra de Weber, constantemente dialogando com a política, com a filosofia, com a sociologia e com a história, e recomendaria extremo cuidado aos leitores e estudiosos que empreendessem a tarefa de compreendê-la. Entretanto, faz-se necessário acrescentar outras situações, igualmente significativas, no processo de dificultar (ou até mesmo deturpar) o entendimento da real dimensão do projeto epistemológieo de Weber.
Uma delas é a célebre divisão, dentro das ciências sociais, entre "teorias sociais marxistas" e "teorias sociais burguesas", produzida na discussão do marxismo europeu nos anos 50, do que tem resultado uma insistente classificação de Weber como "teórico burguês" e, portanto, reacionário, situação que tem definido atitudes de recusa da sua obra antes da consideração do extremo valor de suas contribuições. Além disso, tal rotulação não é apropriada, tendo-se em consideração sua ativa vida acadêmica e política, ambas sustentadas pelo empenho absoluto para que o homem, sujeito histórico e social, fosse engajado e responsável pelas relações sociais que podiam definir o seu destino e o da humanidade. Não bastasse essa injustiça, tal demarcação acabou orientando uma leitura parcial de Weber. Diversos de seus intérpretes privilegiam alguns textos de sua obra que analisam as relações capitalistas e ainda descolam suas análises do entendimento dado por Weber, ou do sentido que para Weber, teve o

estudo das relações sociais capitalistas: integra­da na totalidade de seu projeto teórico e metodológico, o objetivo dessa análise era procurar o entendimento do homem e das suas relações sociais sob as condições de vida na sociedade capitalista de seu tempo. Diversos desses intérpretes têm-se dedicado ao exa­me de diferenças entre o pensamento de Weber e de Marx, o que é correto, outros a tentativas de demonstrar como Weber se contra­põe a Marx no sentido de refutá-lo ou recusar a teoria marxiana, o que é incorreto, já que este não era o projeto de Weber, embora possa se considerar como legítimo valer-se da teoria weberiana para criticar e negar algumas assertivas do marxismo (SILVA, 1988).
Uma outra situação é conseqüência da nacionalidade do autor, tornando sua produção disponível numa língua de difícil acesso e que, por isso, tem sido farta em traduções. Sobre as implicações para a produção intelectual dependente de informações que são disponibilizadas através de traduções, o próprio Weber, coerente com o seu projeto para as ciências sociais, nos apresenta importante ponto de vista. Em seu texto introdutório ao trabalho sobre a sua sociologia das religiões, ao registrar os limites do trabalho e comunicar que suas conclusões eram provisórias e apenas hipotéticas, assinala que um dos fatores que deveriam ser considerados na limitação do estudo que divulgava era o fato de ter ficado submetido à condição de ter que usar traduções sobre algumas das religiões que abordava. Segundo Weber, o cientista que ficar sujeito a usar informações traduzidas de um idioma que ele desconhece precisa estar ciente que ele já está trabalhando com informações modificadas, no mínimo selecionadas. Ele precisa estar ciente que pode estar utilizando dados controversos e não os mais apropriados dentro do conjunto infinitamente mais rico e maior das fontes originais, situação que ele próprio não tem condições de avaliar (WEBER, VzR, p. 353). Essa é uma situação importante sobre as nossas possibilidades de entendimento de Weber.
Se Silva e Winckelmann têm razão, os textos de Weber, dis­poníveis em tradução, já operaram um recorte daquilo que nos é possível ler de sua monumental obra. É preciso acrescentar a isso o fato de que uma tradução nunca consegue ser fiel ao original, já que um idioma é produto social e expressa também formas de pensamento e de cultura. Um texto traduzido é, portanto, apenas a comunicação literal possível daquilo que foi pensado e escrito por alguém numa outra estrutura de pensamento - toda tradução é, em certa forma, também uma interpretação.
Uma situação particular deve ser ainda mencionada acerca das traduções de Weber disponíveis em português. Uma grande parte delas é originária de versão do inglês ou do espanhol, e, portanto, já sofreu um processo anterior de interpretação. Temos também tido acesso a traduções portuguesas e o que dissemos an­teriormente vale para a situação do nosso idioma - é um em Portu­gal e outro no Brasil, o que, às vezes, nos acarreta grandes dificul­dades de entendimento.
Não pode deixar de ser registrada ainda a grande dificul­dade para se lidar com as traduções de Weber por ser sua obra produzida em alemão - um idioma igualmente rico e difícil, com vocabulários e expressões verbais apropriados para determinadas áreas do conhecimento, prefixos apropriados para si­tuações sociais carregadas de sentidos diferentes, o que acarre­ta para leitores e tradutores inúmeras situações de dúvidas, enganos e controvérsias.
Com estas observações gostaria de deixar claros a dimensão do texto que se segue e os limites encontrados para produzi-lo para que, coerente com a lição do mestre, ele possa ser aceito e entendido na sua provisoriedade. Ao procurar os textos de Weber escritos em alemão escolhemos aqueles mais difundidos através das traduções disponíveis no Brasil. Foram lidos com cuidado redobrado os parágrafos onde são apontadas argumentações essenciais do teórico, e de onde são geralmente tomados trechos para citações e que em algumas traduções encontravam-se por demasia simplificadas ou mesmo deturpadas.
A intenção que orientou as leituras é a mesma que orienta a argumentação que se pretende usar neste texto: procurar explicitar o projeto intelectual de Weber:

A Ciência Social que queremos praticar é uma Ciência da realidade concreta. O que queremos é entender a singularidade da vida social, tal como ela nos apresenta e se desenrola. De um lado queremos entender todas as relações concretas dos acontecimentos sociais com a realidade social

e cultural contemporâneas e, de outro lado, queremos entender as causas históricas que definem que sejam dessa forma c não de outra (WEBER, OSE, p. 212).

Dessa forma, o texto que se segue, como a maioria dos textos disponíveis que procuram apresentar Weber e sua obra, usará, como recurso didático, a nomeação de algumas categorias analíticas, não necessariamente nomeadas pelo teórico. Entretanto, tentaremos manter a argumentação coerente com o projeto epistemológico de Weber - procurar esclarecer por que, para ele, aquelas categorias têm o sentido que ele lhes atribuiu e não outro. É esse o fio condutor que usaremos para tentar explicitar, em Weber, algumas lições essenciais para que os educadores possam encontrar em sua teoria social pistas para o entendimento da função social da escola e da educação.

Weber no seu tempo: entender o homem para entender eu projeto epistemológico

É possível entender a teoria social de Weber sem relacionar a sua produção com as suas condições particulares, condicionadas histórica e concretamente na sociedade e no tempo onde viveu? Esta seria uma questão típica da própria teoria weberiana: - o que possibilitou a Weber edificar a sua teoria social e por que estas são "as suas contribuições" e não outras?
Weber nasceu em 21 de abril de 1864 em Erfurt, em uma família da alta classe média. Vários membros da família de seu pai eram empresários bem-sucedidos e juristas de renome. O pró­prio pai era, quando Weber nasceu, um jurista respeitado, tendo se tornado posteriormente um parlamentar influente em Berlim. A mãe de Weber vinha de uma família com tradição intelectual: vários de seus familiares eram ativos em círculos culturais e intelectuais, inclusive professores universitários. Weber (como seu irmão Alfred Weber, também cientista social de projeção na Alemanha) foi iniciado bem cedo em estudos de línguas e humanidades tendo recebido sua formação básica c secundária em Berlim, entre 1873 c 1882, no ramo da escola de tradição humanista-intelcctual e propedêutica ao ensino superior (das Gymnasium). Na sua formação universitária dedicou-se simulta­neamente aos estudos de direito, administração, história, filosofia e teologia. Casou-se também em família da alta burguesia inte­lectual. Sua mulher (Marianne Weber) foi criada participando de círculos intelectuais e culturais como sobrinha e cunhada de projetados professores universitários. Consta que foi sua grande incentivadora e colaboradora e, posteriormente ã sua morte, a sua mais importante biógrafa.
Weber viveu na Alemanha em momento histórico muito particular: em estado de reorganização social (a transição do reino alemão para a República de Weimar). Viveu, como homem, como cidadão e como político (Weber foi Constituinte e oficial do exército alemão tendo atuado como administrador de um grande hospital durante a Primeira Guerra), o processo de tentativa de consolidação de um Estado Federado e, portanto sob uma particularmente forte onda de nacionalismo. Viveu a difusão do marxismo dentro dos próprios matizes sociais oferecidos pelo legado deixado por Marx - o marxismo doutrinário e o marxismo científico. Testemunhou o estágio de um capitalismo diferente do estágio analisado por Marx, principalmente na Alemanha. Viveu as mudanças sociais marcantes no continente europeu da virada do século e as grandes rupturas sociais que produziram a Primeira Grande Guerra. No plano intelectual conviveu com intensa controvérsia entre os paradigmas dominantes das ciências sociais: o retorno às "ciências do espírito" (Geistwissenschaften); surgimento de um "novo kantismo"; a presença permanente de Hegel; a penetração da crítica nietzscheana e o auge da corrente sócio-histórica representada por Dilthey. Os círculos intelectuais na Alemanha, essencialmente aqueles vinculados à área das ciências sociais e humanas, enfrentavam uma reflexão aguda sobre a luta política e as perspectivas de transformação social, juntamente com um processo que parecia ser continental (Durkheim na França) de firmar a sociologia como ciência (questões de método e a discussão em torno da objetividade e neutralidade).


Segundo Baumgarten nenhum desses fatores pode ser esquecido para entender Weber, o homem, o político e o cientista social. De um lado, o político envolvido nos grupos que aspiravam à formação de uma Nação Alemã, cujo poder deveria assegurar a legitimidade dos ideais de justiça endireites sociais e com eles a vida digna dos homens e a sua felicidade - nesta dimensão pode-se entender em Weber sua resistência aos movimentos dogmáticos sustentados pelo marxismo, tanto da classe trabalhadora quanto de círculos acadêmicos, pois, na sua ótica, o perigo do dogmatismo consistia em prometer uma sociedade impossível de se consoli­dar na prática (via a sociedade socialista preconizada pêlos mar­xistas como uma utopia) e comprometer o projeto nacionalista da Alemanha porque as lutas e as cisões internas enfraqueciam o país internamente e o colocavam em situação desfavorável no continente. Dentro desta perspectiva, ainda segundo Baumgarten, pode-se entender por que Weber era contra a política expansionista, primeiro de Bismark e depois de Guilherme II, e um fervoroso defensor dos camponeses do leste alemão na questão agrária com a Polónia, que ele não analisou apenas como uma questão de fronteira territorial e de soberania nacional, analisando também como se davam as questões de vida social dos envolvidos, oferecendo, em seus escritos, um verdadeiro tratado de análise das questões sociais do momento"1. Do outro lado, o cientista, profundo conhecedor da filosofia alemã, dialogando igualmente com Hegel, Nietzsche e so­bretudo com Kant, que é capaz de conduzir uma reflexão contu­maz para provar a incompatibilidade da filosofia para dar conta de explicar a sociedade e oferecer novas perspectivas de vida social porque ela pretendia ser absoluta, universal e atemporal. É sobre­tudo em Dilthey (1833-1911) que Weber toma a sustentação para seu projeto de contrapor ao pensamento filosófico uma teoria soci­al concreta. Ao firmar uma corrente de análise hermenêutica histórico-social, Dilthey se projeta como um "filósofo social" embora fosse filósofo (ocupava na Universidade de Berlim a cátedra de filosofia antes ocupada por Hegel) e assume lugar importante como precursor da sociologia na Alemanha. Para Dilthey, a interpretação do mundo no seu suceder histórico, através dos processos sociais vividos pêlos homens seria a condição básica para entender a so­ciedade construída pelo homens. O método de investigação que leva ao conhecimento da realidade social deve, portanto, substi­tuir os conceitos formados pela razão (como na tradição da filo­sofia) pela busca de esclarecimento (interpretativo) com base na compreensão das relações do social com a história. Coerente com sua identificação com essa nova corrente, Weber procura aprimo­rar sua formação sociológica. Forma com Simmel (1858-1918), Tónies (1855-1936) e Sombart (1863-1941) um grupo seleto de cientistas sociais para tentar dar estatuto à nova disciplina, e, neste grupo, enfrenta as grandes polémicas das ciências sociais em torno das questões teóricas e metodológicas. Com eles edita a partir de 1903 a revista Arquivos de detidas Sociais e Sociologia Política, e com o último cria em 1909 a Sociedade Alemã de Sociologia (BAUMGARTEN, 1992).
Sua vida profissional foi marcada por irregularidades devido a questões de saúde que, por diversas vezes, lhe afastaram do exercício de suas atividades de professor e pesquisador. Como profissional sempre esteve dividido entre a Ciência e a Política embora ele próprio tenha sempre se declarado como intelectual.
Na avaliação de Winckelmann, o que se destaca em Weber pode ser resumido em duas grandes características: ter sido pioneiro na ciência social empírica e um grande pensador que almejava descobrir a verdade nas relações sociais. Como pensador, ele encarnava duas dimensões no relacionamento com o conhecimento - "pensou como político; foi cientista com olhar de político e foi político com o olhar do cientista", além disso, ética e tolerância foram características que se mantiveram constantes na sua vida particular e profissional (WINCKELMANN, 1992, p. IX).
Como intelectual do seu tempo, dialogou com o marxismo como cientista - querendo entendê-lo como teoria social, almejava completá-lo e não refutá-lo. Como professor universitário, consta que foi pioneiro na promoção de Marx como cientista social, levando suas teses para o ambiente universitário e abrindo espaço para a discussão acadêmica e científica das mesmas,


que ele declarava serem "geniais". Consta também que conviveu com vários marxistas (teria sido professor de Georg Luckács e companheiro profissional de Eduard Bernstein na Universidade e no Partido Social Democrata - SPD -, que ambos ajudaram a fundar), além de ter sido ardoroso defensor de socialistas contra a perseguição nas instituições universitárias (negação de cadeira para lecionar). Há biógrafos que assinalam que viveu em conflito entre largar a atividade acadêmico-científica e ingressar ele mesmo nos movimentos sociais revolucionários, tamanha era sua angústia diante das irracionalidades produzidas pelo capitalismo (HENR1CH, 1988).
Não é, portanto fortuito que Weber tenha desenvolvido sua teoria social tendo como foco de análise a sociedade capitalista do seu tempo e tomando a obra de Marx como interlocutora. É o en­tendimento dessa interlocução que deve e pode orientar um enten­dimento correto de sua obra, isentando nossas análises de uma to­mada prévia de partido diante dela, sustentada apenas por posição ideológica.
Num certo sentido, as premissas marxianas podem explicar o caminho tomado por Weber. O próprio Engels, ao tentar refutar acusações de que sua (e de Marx) teoria social excedia no valor atribuído ao peso das determinações econômicas nas relações sociais, apresenta-nos uma argumentação brilhante para podermos entender Weber:

(...) Segundo a concepção materialista da história, o fator que em última instância determina a história da produção e a reprodução da vida real é o econômico. Nem Marx nem eu afirmamos mais do que isto. Se alguém nos deturpa dizendo que o fator econômico é o único determinante, converte nossa proposição numa frase vazia, abstraia e absurda. Afirmamos tão-somente que a situação econômica é a base rnas não deixamos de reconhecer que diversos outros fatores da superestrutura (as formas políticas da luta de classes e suas conseqüências, Constituições e Regimentos elaborados e sancionados pela classe vitoriosa, diferentes formas jurídicas de regulação da vida social e, mesmo os reflexos de todas essas lutas reais nas cabeças de seus participantes, transmudadas em teorias políticas, jurídicas, filosóficas e até em doutrinas religiosas, tanto na sua gênese quanto na forma de sistemas dogmáticos nos quais se converteram) exercem igualmente a sua ação sobre o curso dos processos históricos, e, em muitos casos, podem ser predominantes na determinação de sua forma I...] O que eu e Marx ressaltamos em nossas afirmações é que somos nós. sujeitos históricos c sociais, quem definimos o curso das nossas vidas e que nós o fazemos, em primeiro lugar, de acordo ou condicionados por situações muito concretas e estas são, em última instância, as de ordem econômica [...] Mas não deixamos de reconhecer que também desempenham papel muito importante, mesmo que não a.s consideremos decisivas, as condições políticas e ate as tradições culturais de toda ordem que se alojam como fantasmas nas cabeças dos homens (ENGELS, 1890, In. Marx; Engels, 1979, p. 456-457). Os grifos são nossos.

Engajado socialmente na luta social de seu tempo, Weber busca na própria teoria marxiana e no marxismo do seu tempo os elementos para construir sua teoria social: descobrir e explicar quais os fantasmas se alojam na cabeça dos homens, como o fazem, por que e sob quais condições, quais as suas conseqüências.

A sociologia compreensiva no centro do projeto epistemológico de Weber

Entender a Sociedade - entender a ação do homem. Esta foi a premissa fundamental de Weber para desvendar o sentido da vida social ou das relações dos homens na sociedade e que, portanto, determinam sua postura metodológica e a sua orientação teórica. Como na passagem já citada anteriormente, o fio condutor de Weber está na sua afirmativa: Die Sozialwisssenschaft, die wir treiben wollen, ist eine Wirklichkeitwissenschaft - "a Ciência Social que queremos praticar é uma Ciência da realidade concreta" (WEBER, OSE, p. 212).
Aqui está o ponto de partida para entender, segundo Baumgarten, o projeto epistemológico de Weber. Na afirmação deste estudioso, embora esta premissa perpasse toda a sua

produ­ção, ela está brilhantemente delineada no ensaio publicado em 1913 com o título de Über einige Kategorien der verstehenden Soziologie (Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva) e objetivamente retomada em dois outros ensaios: Die "objektivitaí" SozialwissenschaftlicherErkenntinis e DerSinn der "Wertfreiheit" der Sozialwissenschaten, respectivamente: A "objetividade" do conhe­cimento social e o sentido da "neutralidade" nas ciências sociais (observar que Weber grafa entre aspas as palavras objetividade e neutralidade). Entretanto, para o mesmo Baumgarten, a obra-prima de Weber, onde o seu projeto epistemológico está evidenciado e, inclusive metodologicamente demonstrado, é Wirtschaft und Gesellschaft: Gntndrizz der Verstehenden Soziologie, também es­crita em 1913, onde, no capítulo introdutório (Wirtschaft und Gesellschaft im allgemeinen), Weber nos apresenta em

apenas vinte páginas, até hoje sem similar na história das Ciências Sociais, a mais densa e criativa proposição da sua sociologia, a explicação do processo de construção social pêlos homens, de seu modo de vida e de suas instituições, nas suas relações entre eles e com o mundo material, ou seja. na ativa, intencional e racional ação social (BAUMGARTEN. In. WINCKELMANN, 1992, p. XXI).

Uma pista essencial para apreender a matriz teórica de Weber está no entendimento da sua vinculação ao "novo kantismo", que poderia ser tomado como "a moda" nos círculos intelectuais da Alemanha, como o foi a ligação com Hegel no grupo ao qual Karl Marx se vinculou anteriormente (Marx e os Jovens Hegelianos). O próprio Weber teria se declarado adepto desta corrente e dois de seus representantes mais significativos, W. Windelband e H. Rickert, teriam sido referências mestras nas discussões de Weber acerca das diferenças entre ciências naturais e ciências sociais, fornecendo ao nosso mestre os elementos fundamentais para defender sua sociologia como uma "ciência da cultura" (BAUMGARTEN, In. WINCKELMANN, 1992, p. XII).
A especificidade de uma análise das condutas humanas impregnadas de sentido, motivos e significados particulares para os sujeitos envolvidos (sinnvollen sozialen Verhalten = Verhandeln - resultado das suas Wirtschaften (substantivo) e suas formas de virstschafíen (verbo), em contraponto às ciências da natureza, evi­dencia, na obra de Weber, as lições de uma "filosofia social", e sua clara identificação com o novo kantismo. Assim, as duas matrizes kantianas: (a da irredutibilidade do ser ao saber e a separação entre juízos de valor e juízos de fato) e a indiscutível subordinação do objeto de conhecimento aos sujeitos sociais, os pilares do novo kantismo, servem a Weber na construção de sua matriz para des­vendar a realidade social: Compreender; explicar e interpretar a realidade de seu tempo, considerar as chances determinadas his­toricamente e possíveis de serem conhecidas através da análise de uma cadeia de relações históricas e culturais, empiricamente de­monstradas, este foi o projeto epistemológico de Weber. Para ele, a ciência havia se tornado uma prática social produzida na sociedade ocidental na busca premente de uma racionalidade de ordem técni­ca e de ordem teórica, uma arte de agir com sentido, cada vez mai­or e cada vez mais necessária para tornar possível a vida dos ho­mens com eles e entre eles. As ciências sociais não podiam ter um projeto diferente.
É, portanto, como "novo kantiano" que Weber teria lido Marx e é nesta leitura de Marx e na sua declarada insatisfação com a teoria marxiana para dar conta de explicar a autonomia dos sujeitos nas relações sociais, associada à sua posição, também declarada, de resistência aos movimentos sociais marxistas, que ele avalia como dogmáticos, que Weber busca as motivações para desenvolver sua teoria. De acordo com BAUMGARTEN (l 992), algumas teses do "jovem Marx" são o ponto de partida de Weber. Para Marx:

o idealismo toma a realidade como um processo edificado na cabeça dos homens, constrói dela imagens abstratas e as querem impor na vida dos homens. Nós queremos e devemos conceber a realidade como acontecimentos reais produzidos por homens reais como conseqüências de suas ações, de sua prática como sujeitos históricos (MARX, citado por BAUMGARTEN, In. WINCKELMANN, 1992, p. XXVII).

Weber, como uma considerável ala das ciências sociais de seu tempo, na Alemanha, considerava esta a grande premissa, ou o embrião promissor para consolidar a sociologia como uma ciência da realidade concreta. Numa direta ligação e aceitação dessa premissa marxiana, Weber defende a sociologia como "Wissenschaft vom menschlichen Haiuleln " (ciência da ação humana), na medida em que seria dotada da possibilidade de explicar o sentido das relações dos homens orientadas para os outros homens e a sua produção cultural (material e política). Explicara sentido, da ação humana, esta era a chave de Weber. Explicar o sentido seria buscar (descobrir e nominar) e esclarecer os significados subjetivos que na cabeça dos sujeitos ativos nas relações sociais definem sua conduta e produzem as conseqüências da ação. Por isso é correto afirmar que a sociologia weberiana construiu, no seu núcleo, uma teoria da ação social - não uma teoria sobre as ações objetivas diretas (como a conduta manifesta ou expressa), nem uma teoria sobre manifestações de comportamento sustentadas por visões metafísicas sobre a realidade, nem uma teoria para explicar as causas inconscientes da conduta, mas sim, uma teoria da ação social que colocou no núcleo o sentido particular que mobiliza cada sujeito social a agir de uma forma e não de outra".
Nesse sentido é possível entender onde e por que Weber se distancia de Marx. A premissa marxiana de que é o homem, dotado de conhecimentos e de ferramentas, quem constrói a sua realidade social, sendo capaz de agir sobre a natureza, interferir nela e introduzir mudanças, é a mesma encontrada na obra de Weber. Entretanto, diante da explicação monocausal de Marx, que considera o grau de possibilidades de ação dos homens condicionado pêlos determinantes econômicos desdobrados das relações de produção vigentes na sociedade, Weber apresenta as seguintes questões: Com que grau de liberdade os homens podem agir para superar os determinantes de ordem econômica? Com que processos particulares eles se organizam para dominar a natureza e edificai-os caminhos da vida entre eles? Quais as chances de destino social se colocam para os homens que estão sujeitos a formas específicas de soberania política, de relações de poder, de relações racionalizadas de produção, de processo político e de direito social? Esses são, portanto, os temas das análises de Weber (BAUMGARTEN, in WINCKELM ANN, 1992, p. XXXI).
É com esse entendimento do "projeto weberiano" que nos é possível apresentar e discutir algumas de suas categorias analíticas que têm merecido a atenção dos autores das obras de ciências sociais, tanto entre intérpretes de Weber quanto entre editores de partes selecionadas de sua obra (Concepção de homem e de sociedade, Categorias da análise social, Categorias de estratificação social, Capitalismo e religião, Sociologia do poder).
Em especial, esse entendimento é fundamental para se compreender principalmente o trabalho Wirtschaft und Gesellschafi: Grundrizz der Verstehenden Soziologie (traduzido como Economia e sociedade) no qual Weber procurou apontar as respostas às suas questões (como o homem conduzia seu destino sob as condições de existência) procurando apreender e explicitar os sistemas sociais e intelectuais da sociedade capitalista do seu tempo nos seus traços singulares.
No texto que introduz a obra Wirtschaft und Gesellschaft im Allgemeinen ("Economia" e Sociedade em geral), cujo título ainda acopla um longo subtítulo Wesen der Wirtschafts, wirtschaften.de und wirtschaftsregulierende Gemeinschaft (Natureza da "Economia" e da organização social produzida e regulada), Weber nos apresenta a mais profunda discussão do funcionamento da ação social dentro da sociedade/€àpitalista de seu tempo. Estamos grafando a palavra "Economia" entre aspas porque, na discussão que se segue, esperamos também conseguir assinalar a impropriedade da tradução generalizada do vocábulo Wirtschaft para economia, o que acaba fortalecendo o fator econômico como determinante da organização e da ação social, exatamente o que Weber queria evitar e que deixa claro nesta obra.
No primeiro parágrafo do texto, Weber anuncia que não usará o termo em nenhum dos sentidos usuais a que se presta na língua alemã e anuncia enfaticamente sua definição: ...sondem sind (na frase refere-se a Wirtschaften já no plural) zweckrational orientierte Technik. Totalmente sem sentido a tradução literal da frase: uma técnica orientada racionalmente. O que queria dizer Weber usando o termo

"técnica"? No alemão, além do termo usual, também entre nós, de técnica como conjunto de meios e processos gerais para se processar atividades (apesar de que na linguagem corrente não é usa­do o termo latino Technik usado por Weber mas sim o alemão Minei), a palavra tem um outro sentido e quando é usada tem uma outra conotação muito precisa: é a arte de usar (saber escolher e saber aplicar) os melhores meios para se conseguir os melhores resultados em empreendimentos, é a arte de usar meios racionalmente escolhidos para fins determinados para que esses sejam obtidos com a maior eficiência. Em várias passagens de sua obra, não apenas no texto acima, Weber insiste que não quer reduzir o entendimento do que trata como Wirtschaft às práticas dos homens nos setores da economia e com finalidades tipicamente económicas (conceito para o qual Weber usa os vocábulos latinos Okonomie e ókonomisch) e que esta é apenas uma das dimensões daquilo que trata como Wirtschaft".
O entendimento do conceito de Wirtschaft é de fundamental importância para entender o conjunto da obra de Weber e, em especial, os textos destinados à análise do capitalismo e das relações sociais capitalistas. O que Weber pretende anunciar na apropriação deste vocábulo junto com o vocábulo designador da organização social (Gemeinschaft) formando o título do seu ensaio não é nada mais nada menos do que precisar que não vai discutir a sociedade capitalista, sua organização social e seus mecanismos como na teoria marxiana (as relações de produção como determinantes dos lugares dos homens na hierarquia social e da conduta dos homens), mas que pretende exatamente inverter essa relação: como os homens, agindo racionalmente para fins específicos e determinados, intencional e conscientemente, de posse de meios escolhidos racionalmente, se organizam para produzir relações sociais particulares, entre elas o próprio capitalismo e conseqüentemente as relações sociais capitalistas. Seu objeto de análise é, portanto, o conjunto das instituições sociais produzidas pelos homens em processos de relação entre eles e com o mundo material. É dessa premissa, Wirtschaft, não como economia, mas como o espírito da mais alta racionalidade, como propriedade dos homens organizados na sociedade, e presente nos processos em que os homens se envol­vem para organizar sua vida social e edificar as suas instituições, é que podemos entender o alcance do projeto weberiano: o objetivo da ciência social (sociologia) é compreender a "existência vivida". Para Weber, em essência:

a vida humana é feita de urna sucessão de escolhas circunstanciais c determinadas historicamente e com as quais os homens edificam um conjunto de valores. A ciência social, a ciência da cultura, almeja reconstruir e compreender as escolhas humanas com as quais um universo de valores-o capitalismo, a sociedade capitalista, as suas instituições e as relações sociais sob as condições de vida sob o capitalismo, foi edificado (Weber, BW p. 316).

Esta é a lógica que permite a Weber apresentar sua análise da sociedade capitalista (forma de organização, estratificação social e de ação social, formas de dominação, organização racional e burocrática) que se encontra sobretudo em alguns dos seus trabalhos bastante divulgados entre nó.
Podemos resumir a dimensão da sociologia compreensiva de Weber em quatro grandes características: substituição da abordagem filosófico-social pela análise empírica; introdução, na análise social empírica, do conceito de "chances" - o que lhe possibilitou substituir uma concepção estática de explicação do social por uma explicação dinâmica (a existência social não é, ela pode ser); no plano metodológico a construção dos tipos ideais como recurso heurístico; ter firmado a possibilidade de a ciência social desenvolver e apresentar análises não valorativas.
A título de síntese, apresentamos a seguir algumas categorias essenciais da teoria de Max Weber, geralmente tomadas para explicitar seu pensamento e que gostaríamos de anunciar, coerente com sua condição de síntese, apenas como "algumas lições" weberianas. Para não extrapolar a condição deste ensaio, tendo-se em vista sua finalidade, não reproduziremos definições das categorias aqui relembradas, elas devem ser buscadas diretamente na obra do autor (ver nota 13).



"Algumas lições" weberianas:" Sociedade, religião e capitalismo

Weber procurou apreenderes sistemas sociais e intelectuais da sociedade capitalista do seu tempo nos seus traços singulares -pretendeu desvelar como as diferentes atitudes religiosas exerceram influência sobre a conduta dos homens, notadamente sobre sua conduta econômica. Ao demonstrar a “ética protestante" como o "espírito do capitalismo", pretendeu demonstrar como a conduta humana é orientada em função de uma visão geral de mundo, tomando, como recurso heurístico, a ética protestante.
Os estudos de Weber sobre religião centram-se em dois grandes problemas: o primeiro é histórico - em que medida certas seitas protestantes, ou, de modo mais geral, o espírito protestante, influenciaram a formação do capitalismo? O segundo é sociológico e também de ordem teórico-metodológica - em que sentido a com­preensão das condutas econômicas exige a referência às crenças religiosas e aos sistemas sociais do mundo dos atores? Para Weber, não há cisão entre o homem econômico e o homem religioso porque é em função de uma ética determinada (no caso a religiosa) que o homem econômico define a sua ação e, conseqüentemente, a sua forma de vida.
Portanto, Weber não pretendeu opor, à causalidade das forças econômicas (como em Marx), a causalidade de forças religiosas. Weber não defendeu a religião como causa determinante do desenvolvimento do capitalismo, não quis substituir a tese de Marx da determinação de ordem econômica na condução do destino dos homens por uma "causa religiosa". Weber pretendeu demonstrar que a representação religiosa da existência, a visão de mundo que ela desenvolve e a forma de conduta humana por ela engendrada é uma das causas do capitalismo, portanto tem chances probabilísticas de explicar a gênese e a consolidação dessa forma de organização social. Sua conclusão foi, e nada mais do que isso, que o surgimento do capitalismo, ou seja, de uma racionalidade da produção (como organização humana) tendo por objetivo uma produção crescente e racionalizada (organização dos elementos essenciais à produção e obtenção do lucro) exigiu uma atitude humana à qual uma moral ascética, do protestantismo calvinista, deu sentido.
A ética protestante impôs ao crente a desconfiança com relação aos bens deste mundo, o que o levou a adotar um comportamento ascético. Trabalhar racionalmente tendo em vista o lucro, e não gastá-lo, foi, por excelência, uma conduta necessária ao desenvolvimento do capitalismo, sinônimo do reinvestimento contínuo do lucro não consumido, portanto o excedente, o que poderia ser uma explicação para o processo de acumulação de capital. Além disso, estudando as religiões, Weber "descobre" situações particulares de conduta religiosa no calvinismo, condutas não presentes em outras religiões, e indica que estas particularidades poderiam ser explicação da existência do capitalismo tal como ele se manifestava. Seriam elas: abolição de ritualismos tradicionais -o calvinismo desenvolveu uma pratica religiosa racionalizada diferente da prática engendrada por outras religiões decorrentes de visões de mundo contemplativas e espiritualistas que sugeriam ao crente esperar salvação na providência divina e na vida junto de Deus; o calvinista assumiu ter que trabalhar para ser bom diante de Deus, com o que estabeleceu o rompimento com a esperança de uma vida celeste e melhor após a morte, resultando na ênfase da conquista da salvação "aqui e agora" pelas virtudes da religião e do trabalho. Em consequência, o calvinista levava uma vida sem prazeres mundanos, virtuosa e dedicada ao trabalho, situação que beneficiou a acumulação capitalista.
De posse dessa argumentação, pode-se identificar a lógica da teoria weberiana na sua Sociologia das religiões - para compreender uma sociedade ou um tipo de existência humana é necessário identificar sua lógica implícita, a partir de suas concepções metafísicas ou religiosas (capitalismo no Ocidente, outras sociedades com suas práticas religiosas e suas organizações sociais e económicas - China, índia e judaísmo primitivo - foram as escolhas de Weber).




Teoria social

O homem e a conduta humana estão, como já foi dito, no eixo epistemológico de Weber. Essa afirmativa é fundamental para entender a natureza da concepção social de Weber e o que nela confirma o seu distanciamento das teses de Marx e a particularidade da sua concepção teórica.
Weber rejeita o método marxiano, nega, ao método de Marx, o materialismo histórico, a função de ser fonte de explicações monocausais de determinantes também monocausais para os fenômenos sociais (as relações de produção do capitalismo determinando as relações sociais). Deste modo, na teoria social de Weber está a tentativa de assinalar que existem explicações pluricausais para o capitalismo, como organização social e para as formas de relação dos homens sob essa forma de produção. Weber, como Marx, analisa as relações entre base e superestrutura, mas o que ele analisa são as relações dos homens com o modo capitalista de produção.
Sobre a gênese do capitalismo, Weber procura descobrir como se deu sua produção histórica, demonstrando sua passagem por fases ou tipos diferenciados até precisar a singularidade do capitalismo industrial moderno - aqui concorda com Marx ao localizar a unidade fundamental básica desse tipo de sociedade no modo de produção e não nas finanças (como ocorria com os economistas clássicos). Mas o foco de análise é como os homens (individuais e culturais) aluaram especificamente na construção desta forma econômica.
Distancia-se de Marx ao desinteressar-se do estudo dos problemas da dinâmica do capitalismo (ciclo econômico, crises, perspectivas de superação da luta de classes pela superação do modo de produção). Weber se orienta para o estudar e explicar a racionalidade da sociedade capitalista industrializada (a sua Wirtschaft). Para Weber, o capitalismo moderno seria a forma mais elevada de operações racionais a que os homens foram capazes de chegar, embora reconhecesse que a situação de vida social no continente europeu de seu tempo dava mostras de uma crescente e irresponsável irracionalidade (HENRICH, 1988).
Diferencia-se de Marx no tratamento analítico das classes sociais: Para Marx, se opunham basicamente duas classes básicas -os proprietários dos meios de produção (os capitalistas) e os proprietários da força de trabalho (trabalhadores), o que constituía, na sua sociologia, uma classificação objetiva da estratificação no capitalismo, sustentada pela relação renda/lucro e salários, posse/ não posse de meios de produção. Assim, donos de terra e empresários, e os trabalhadores conformavam o modelo de estratificação soei ai.
Weber introduz uma classificação subjetiva de estratificação na sociedade capitalista, dando atenção aos diferentes traços desses mesmos grupos indicados por Marx - assim inclui os políticos, os intelectuais e os diferentes tipos de empresários e de trabalhadores. Aplica uma outra interpretação dos agrupamentos sociais, extrapola o determinante econômico (propriedade ou não de bens de produção no mercado) e apresenta uma classificação também considerando outras propriedades existentes nos conjuntos de agrupamentos humanos (de ordem cultural principalmente). Retoma a classificação dos grupos sociais em tipos de sociedades anteriores ao capitalismo, e se vale das características dos "estamentos" (Stand) para demonstrar que, na sociedade capitalista do seu tempo, as classes sociais reais comportavam características também dos estamentos".
Portanto, não era apenas o lugar social na ordem econômica que definia as chances de ação social dos sujeitos.
Na definição de Weber, caracteriza ou define uma situação estamental:

um conjunto de situações que demarcam um modo de vida: maneiras formais de educação e convivência social, uma conduta racional c posse de formas de vida correspondentes, prestígio social hereditário ou de grupo (profissional, títulos familiares, por exemplo). A situação estamental se expressa através dos modos de vida típicos relacionados com convenções do grupo e


com formas particulares e privilegiadas de ser e de agir, inclusive de formas de apropriação de bens materiais e culturais (WEBER, EWR, p. 439).

Mas a sociedade que analisava naquele momento não era organizada com base em estamentos, embora marcas de conduta estamental fossem encontradas nas relações sociais:

A sociedade atual é na sua forma predominante, uma sociedade de classe, e, mais especificamente, definida pela propriedade ou não de bens de produção. Mas essa mesma sociedade comporia igualmente tantas outras classes definidas por situações específicas de posse como nas situações estamentais, que só aparentemente podem ser explicadas pela detenção ou não de monopólio econômico, como é o caso da situação social na Alemanha daqueles que são portadores de diploma e outras formas de prestígio social (WEBER, EWR, P. 439).

Portanto, para Weber, o entendimento de "situação de classe" é coerente com sua lógica de explicação dos sujeitos agindo e interagindo na sociedade, não apenas em processo de produção e reprodução de sua vida material. Classe é tomada por ele como um "conjunto de probabilidades típicas: provisão de bens - posição externa e sentido pessoal na organização social. A sua classificação das classes tem três categorias: classe proprietária, classe lucrativa e classe social. Neste sentido, ao usar classe social, já não o faz no mesmo teor da teoria marxiana. Situação de classe (no sentido econômico aceitando a classificação marxiana) e classe social, indicam, para Weber, situações típicas de condições de existência de sujeitos sociais, que se encontram juntamente com muitos outros
iguais ou semelhantes.
Weber não negou os conflitos de classe, mas os explica, com outros fatores e com base no argumento de causalidades múltiplas: a luta de classe não é o único e sozinho, o motor de mudanças sociais. Outros fatores, do mercado e do sujeito, surgem como favoráveis às transformações - contribuem para o rompimento das ordenações precedentes na sociedade
Na sua teoria social, não há lugar para a luta de classes na perspectiva marxiana como explicação causal para a gênese do capitalismo, pois os determinantes econômicos estão também marcados pela ação dos homens.

Teoria social, conduta científica e papel da ciência

Para Weber, as conclusões oferecidas pelas ciências são parciais e não globais; comportam um caráter de probabilidade e não de determinação necessária. Sua teoria social exclui a possibilidade de que um elemento da realidade seja considerado como determinante dos outros aspectos da realidade, sem ser também influenciado por eles. Neste aspecto, demonstra como se distancia do materialismo histórico.
Nessa rejeição da determinação do conjunto da sociedade por um só elemento, rejeita também a possibilidade de que o conjunto da sociedade futura seja determinado a partir de certas características da sociedade presente. Analítica e parcial (essa a grande diferença com a teoria marxiana), a teoria social weberiana não permite prever como seria a sociedade capitalista do futuro. Apesar de convencido de que o processo de racionalização e de burocratização continuariam, esta evolução não seria suficiente para definir ou predizer como seriam os regimes políticos e nem a maneira de viver, de pensar e de agir dos homens. É essa concepção que alimenta também a sua conduta de cientista.
As conclusões das ciências sociais têm validade como "relações causais" e não como "determinações causais" - essa é a perspectiva da sociologia que a diferencia da história. Como ciência da sociedade e da cultura, a sociologia é compreensiva e causal. A relação de causalidade sozinha não define o caráter da sociologia porque, dependendo do caso, a relação causal pode ser histórica ou

sociológica. O historiador procura explicar as relações causais numa única conjuntura, o sociólogo procura estabelecer relações compreensivas de sucessão (em cadeia) e de probabilidades. A ciência da cultura e da ação humana (a sociologia) é, em síntese, a reconstrução (histórica) c a compreensão (sociológica) das escolhas humanas pe­las quais um universo de valores foi edificado. Os estudos de Weber sobre o capitalismo e sobre religião constituem modelos perfeitos da sua própria metodologia e da teoria que edificou.
Definindo a sociologia como a ciência que procura com­preender a ação social, que deve entender o sentido que o ator dá à sua ação, a "ciência weberiana" pode ser caracterizada pelo esforço que empreendeu para elucidar e explicar os valores aos quais os homens aderiam, e as obras (instituições) que construíram (sociologia compreensiva).

Deve-se entender por sociologia - no sentido aqui aceito desta palavra, empregada usualmente com diversos significados - uma ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social para, desta maneira, explicá-la em seu desenvolvimento e efeitos. (WEBER, OSE, p. 192). -Os grifos são nossos.

Assim, o cientista social deve se preocupar com a análise das especificidades das infinitas relações que se dão nos grupos sociais estabelecidos e hierarquizados; deve entender e aceitar que a sociologia procura e demonstra causalidades, não determinações, que ela constrói conceitos-tipo que podem lhe mostrar como o real acontece e deve empenhar-se para "encontrar as regras gerais do acontecer" (WEBER, SWV, p. 251).
Dessa perspectiva desdobram-se algumas regras que devem orientar a conduta científica: considerar, primeiramente, que a ciência, no estágio atual na sociedade (nunca foi assim antes -falando de sua época) é resultado do estágio de racionalização da atividade social (a ciência é positiva e racional); nenhuma ciência poderá dizer aos homens como devem viver ou ensinar à sociedade como deve se organizar (diverge de Durkheim); nenhuma ciência poderá indicar à humanidade qual será o seu futuro, pois este não pode ser predeterminado. O homem terá sempre a liberdade de recusar o determinismo de condições específicas ou particulares, assim como a possibilidade de se adaptar a ele de diferentes maneiras (distancia de Marx).
Do ponto de vista metodológico, o conhecimento sobre a realidade só pode ser obtido e afirmado em termos de chances, de probabilidades. Todo conhecimento da realidade é apenas probabilístico, toda explicação é relativa e provisória.

Relação entre o cientista e a pesquisa

A ação científica é uma ação racional por excelência. É racional com relação a um objetivo - busca a verdade. O cientista se propõe a enunciar proposições factuais, relações de causalidade e interpretações que sejam universalmente válidas. Mas é também racional com relação a um valor, porque o cientista parte de um juízo de valor - ele se mobiliza para a investigação a partir de um julgamento sobre o valor da verdade, demonstrado pêlos fatos ou por argumentos. O respeito do cientista para com as regras da lógica e da pesquisa assegura que os resultados encontrados sejam válidos.
Segundo Weber, as ciências humanas são animadas e orien­tadas por questões dirigidas à realidade social, e, assim, o interesse das respostas depende do interesse das questões. Weber não consi­dera "mau" ou "negativo" que cientistas que estudam determinado fenômeno tenham interesse pessoal por ele - assim, o político pode investigar questões de política e o religioso questões de religião. A orientação metodológica é que deve preservar a imparcialidade. A racionalidade científica resulta do respeito do cientista para com as regras da lógica e para as regras da pesquisa. A essência da Ciência é a sujeição da consciência aos fatos e às provas. A orientação metodológica é que vai preservar a imparcialidade do cientista, o seu distanciamento para ver e tratar o problema cientificamente. Assim, a relação

parcialidade x imparcialidade é uma questão de conduta científica. Como superar os riscos do envolvimento cientí­fico com o objeto? Para Weber,

é preciso ter o senso de interesse daquilo que os homens viveram para compreendê-los autenticamente; mas é preciso distanciar-se do próprio interesse para encontrar uma resposta universalmente válida a uma questão inspirada pelas paixões do homem histórico (WEBER, BW, p. 353).

Weber e educação: Educação, legitimação e poder

Weber não produziu uma teoria sociológica da Educação, não considerou, diretamente, a organização social Escola ou a instituição Educação como objeto de análise. Em toda a sua obra encontramos apenas dois textos em que o tema é diretamente abordado: "Der Literatenstand in China" ("Os letrados chineses"), que é um capítulo de sua obra sobre o estudo das religiões (Wirtschaftsethik der Weltreligionen - traduzida como Sociologia das religiões) e o ensaio, originalmente uma conferência, Vom inneren Berufzur Wissenschaft, traduzido como A ciência como vocação.
Entretanto há estudos significativos sobre educação que assinalam, em passagens específicas da obra de Weber, uma aná­lise da função social da escola'1' e indicam que, das análises de Weber sobre o poder e sua legitimação na ordem social, deriva uma soci­ologia da educação. O eixo de uma sociologia da educação de Weber está na demonstração de que através dos sistemas escolares (e das práticas sociais no interior destes sistemas) se desenvolve um pro­cesso peculiar de imposição dos caracteres dos grupos sociais e do poder estabelecido. Na obra de Weber é possível demonstrar como, através de processos de inculcação e legitimação de determinados tipos de conduta e de certos bens culturais, se estabelece o proces­so de manutenção e reprodução dos modelos reinantes na estrutura social. Esta "sociologia weberiana da educação" está sustentada particularmente nas análises de Weber sobre os mecanismos de fun­cionamento da ordem capitalista e nos estudos sobre a sociologia das religiões.
São dois os focos enfatizados: primeiro, o entendimento de Weber de classe social e os mecanismos (as relações sociais) de manutenção ou não deste modelo; segundo, os processos de dominação como eixos estruturantes da vida social.
O fato de Weber diferenciar "condição de classe" e criar "uma classificação de classe social" ampliada com relação ao modelo marxiano permite o enunciado da primeira questão - que papel exerce a educação na sociedade? Como condição de classe, encontramos em Weber o entendimento de que situações de pro­priedade ("ter" - ser proprietário ou não de bens de trabalho em relação ao mercado) definem as condições de existência, separando, portanto, os homens com relação a possibilidades de acessos a bens culturais e materiais não disponíveis igualmente para todos. Na estratificação social apresentada por Weber, "as outras proprieda­des" permitidas aos homens (os bens culturais) existem distribuí­das de formas muito diferentes a partir das formas "permitidas" de vida social nos grupos de status (ou estamentos): "ser" de acordo com características particulares de seu lugar social define modos de conduzir a existência. Weber, portanto, já anuncia uma questão central na análise da função social: os bens educacionais existem para uns e são negados a outros; os bens educacionais existem em formas diferentes para grupos sociais de status diferentes. Com que mecanismos sociais este processo seria sustentado? Quais as relações sociais e de que modo se desenvolvem para produzir estas relações e para garantir a sua manutenção? Chega-se, portanto, às estruturas e aos mecanismos de dominação estudados por Weber. Nesta perspectiva, os estudos de religião oferecem uma contribuição essencial: sua sociologia da religião é uma sociologia do poder:

Weber estuda as religiões analisando seus aparatos de poder e demonstra como a religião exerce um papel social significativo para legitimar os afortunados, os homens dominantes, os proprietários, os sadios, os vitoriosos, os que têm mando temporal estabelecido

e legitimado. A religião é um aparato de poder. Como aparato de poder c entendido um estado de coisas pelo qual uma vontade manifesta daquele que está no lugar do dominador influi sobre a ação dos outros, de tal sorte que estes atos têm a propriedade de serem assimilados pêlos dominados de tal forma que se apresentam como sendo deles próprios (BAUMGARTEN. In. WINCKELMANN, p.XXXVIII).

Portanto, pode-se encontrar em Weber também uma tipologia dos sistemas de educação, que LERENA (1985) consegue enunciar de forma muito feliz, retratando os tipos de educação associadas às construções tipo-ideais da metodologia weberiana para os sistemas de dominação. Assim, Weber demonstra, em sua obra, a existência de três tipos de educação que correspondem aos três tipos de dominação - a dominação carismática, a dominação legal e a dominação tradicional.
Nosso teórico admite, em "Os letrados chineses", que, historicamente, podem ser identificadas duas metas nas finalidades atribuídas pelas instituições educacionais: fomentar o carisma (estimular as qualidades heróicas ou dotes mágicos) ou possibilitar a formação especializada. O objetivo educacional é cultivar o aluno para uma conduta de vida de caráter mundano ou religioso ou criar condições de existência dentro de um grupo de status. A partir dos demais trabalhos onde se explicitam os modos de vida dos homens e dos mecanismos de funcionamento da organização das instituições sociais, pode-se depreender que, aos três tipos de dominação correspondem, necessariamente, três modelos particulares de sistemas de educação, o que supõe sua orientação para a formação de três tipos de sujeitos sociais, em cada um dos quais sendo particular a formação educacional com relação à cultura e ao destino nas diferentes posições sociais:
- Uma educação carismática: orientada para despertar a capacidade considerada como um dom puramente pessoal. O carisma não se pode ensinar, nem adquirir, não se trata de uma tarefa de formação mas sim de conversão: o aluno tem que negar-se em seu estado atual e tratar de alcançar ou recuperar sua autên­tica personalidade. Como exemplos, a educação típica dos guerreiros e dos sacerdotes, na modernidade analisada por Weber a versão mais pura do pensamento essencialista clássico.
- Uma educação formativa: orientada, sobretudo, para cultivar um determinado modo de vida que admita atitudes e comportamentos particulares. Este modo de vida pode ser muito diverso, pois constitui sempre um conjunto articulado de atitudes fundadas em um ethos que é, em cada caso característico, ascético, literário, musical ou científico. Assume a finalidade de educar para determinadas atitudes frente à vida (pode até vir acompanhado por um carisma e por um saber ou conhecimento, mas não o exige). Se a educação carismática era a educação dos eleitos do destino, este segundo tipo é próprio de um grupo particular. Esse segundo tipo de sistema educativo constitui a instância reprodutora de uma categoria estamental, isto é, de uma categoria social que define sua posição em termos de conduta de vida, o que se traduz em prestígio. Este tipo de educação exige e favorece a adoção de técnicas parti­culares de inculcação. Ser culto não é algo que está relacionado com o saber, com o conhecimento, embora este necessariamente não precise estar excluído, mas significa, sobretudo, estar familiariza­do com a cultura, com as maneiras de ser e agir do grupo.
- Uma educação especializada: está orientada para instruir o aluno em conhecimentos, de saberes concretos, necessários, principalmente para o exercício de papéis sociais específicos das sociedades racionalizadas, como profissionais ou políticos. E, portanto, correspondente à estrutura de dominação legal e está associada ao processo de racionalização e burocratização da sociedade contemporânea (de Weber). Ser o homem culto, das gebildeí Mensch (da categoria anterior) se caracteriza por ter posse de um sistema particular de hábitos, marcas de formação que estão dentro dele, que foram incorporadas na convivência; nesta outra categoria, o especialista (das Fachmann) necessariamente é um produto da ação escolar, da instrução, não da educação no seu sentido de formação. A educação especializada existe para instruir o aluno para que adquira uma utilidade



prática com fins profissionais e utilitários na vida social, o seu resultado é o homem instruído (das augebildet Mensch).
O grande mérito das lições de Weber para o entendimento da educação na atualidade, e que tem sido devidamente apropriada na sociologia da educação, pode ser sintetizada em duas amplas dimensões.
De um lado, a abordagem do sistema escolar dentro do processo de racionalidade burocrática, de seus mecanismos de organização e de suas funções práticas, objetivas, do papel que desempenham, para os sujeitos escolarizados e para grupos profissionais, permite, não só o entendimento de seus mecanismos de funcionamento e sua função social na ordem estabelecida, mas permite também o desvelamento da sua ideologia.
Mas a grande contribuição encontra-se nas possibilidades abertas para entendimento dos processos de relação do sistema escolar com a macroestrutura, para o estudo dos seus mecanismos particulares de dominação. Em especial podemos apontar, como possibilidades abertas pela sociologia compreensiva de Weber, para as análises da escola, os seguintes, temas, atualmente caros à sociologia da educação e que se encontram nas diferentes vertentes de tratamento da escola na estrutura social como aparato de dominação cultural e simbólica: estudos dos processos e mecanismos de reprodução social através da reprodução de estruturas escolares (arbitrariedade de formas curriculares e práticas sociais de seus agentes), estudo dos sistemas de educação com sistemas de dominação; valor social dos diferentes tipos de diplomas e de culturas escolares; processos sociais particulares de grupos sociais (ou de camadas sociais) em relação às suas possibilidades e qualidades de educação; reflexões sobre o conhecimento e o saber especializado na ordem social racional da sociedade pós-industrializada e os estudos de desvelamento e crítica da ideologia da escola.
Como anotação final, é importante assinalar que, embora a presença de Weber seja forte em várias correntes sociais da atualidade (Estrutural-funcionalismo, Interacionismo Simbólico, Escola de Frankfurt, Teorias da Reprodução Cultural), caras às pesquisas da sociologia da educação, registra-se, entre nós, uma carência de literatura que discuta as nuances de como sua teoria é apropriada e redimensionada nestas contribuições.

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Para refletir:

Relacione os três tipos de dominação Weberiana, com os três tipos de educação apresentados no texto.